domingo, 30 de outubro de 2016



Das ruelas da Aldeia das Dez entrilhamos pela calçada romana até ao Vale Maceira por entre o verde da vegetação. E viçosa que ela estava pelas chuvadas dos últimos dias para nos receber neste dia soalheiro. Aqueci a alma com a paisagem, com a serpenteante subida ao Santuário da Nossa Senhora das Preces e por fim, com as chamas do Magusto que já nos aguardava. Estava já sentada a descansar de hora e meia de caminhada, a observar as pessoas e a festa quando uma senhora olha para mim e pergunta:
“Gosta de castanhas meneína?”
“Gosto, mas parece que…”
“Mas não quer sujar as unhas…”
Ri-me e continuei entretida a ver as pessoas da organização a prepararem mais uma fogueira, enquanto os demais conversavam e esperavam mais uma mão cheia de castanhas assadas que haviam de escolher por entre as brasas. O G. andava ali pelo meio a registar o momento e não tardaria a chegar com o nosso quinhão.
Vimos mais fogueiras a arder e castanhas a desaparecer, ouvimos a banda improvisada já animada a animar a festa e tive pena que a outra senhora já não estivesse ali para ver as minhas mãos cheias de escarvunça.

Para a Aldeia da Dez regressamos à boleia da generosidade quem nem percebe muito bem a graça que vemos em sair da nossa longínqua casa para passar um dia assim, assim, quente e bom como as castanhas que comemos!



































Aldeia das Dez || Magusto da Nossa Senhora das Preces


sábado, 29 de outubro de 2016


sábado de manhã...


Com o marcador a meio e a certeza de ali ter chegado com leituras dispersas no tempo, envergonhei-me e fiz novamente a mochila. Recomecei como se nunca ali tivesse estado. E parece bem que não, pois só assim se compreende este entusiasmo a cada capítulo que já teme o fim desta viagem.

À hora de almoço, em vez de sair para comer, sair para correr. Experimentar o folgo da falta de treino na minha subida preferida com o sol  a fazer esquecer que foi mais um verão difícil e ausente destas pequenas rotinas. O folgo, folgou-se no passo desacelerado e no coração contemplativo e sorridente que sempre guardo destes momentos.   

terça-feira, 25 de outubro de 2016

ritual

a jarra tombou
a água correu sobre a mesa

as flores calaram-se aos poucos
o espantalho tocou o acordeão

a criança cansou-se do vento
desatou as sandálias

o mar meditou duas vezes
qual o horizonte

do sótão a galinha presa
viu um avião voar

uns quantos vestiram-se de negro
viveram da morte dos outros

suicidou-se uma sombra
debaixo do meu pé

a mulher vestiu-se de branco
para a Ressurreição

o país desbotou
no mapa das escolas

amor que esperas de mim
a não ser eu


de Maria Luiza Neto Jorge 
in Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, Um panorama Organização de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno, Lacerda Editores


há pouco no Literatura Aqui, escutei e gostei


sábado, 15 de outubro de 2016



sábado de manhã


chá de gengibre, alecrim, cardomomo e beber de olhos fechados.



domingo, 9 de outubro de 2016




















Mosteiro || fotos partilhadas


um post com cheiro a uvas americanas. Ás vezes tentava imaginar este cheiro, o sabor e a felicidade que me sugeriam. Lembro-me de como me deliciava com uns bagos dos escassos cachos que haviam. Devo ter despertado ali para a preciosidade de certos momentos. A sua repetição anual converteu-os em ritual, tendo despertado depois para a realidade de que os rituais podem não durar para sempre. Passados uns anos, num outro sitio, voltei a comer estas uvas, mais uma vez perante a escassa oferta dividi-o
as com a minha mãe nessa cumplicidade das memórias.
Sei que ultimamente me lembrei destes momentos, provavelmente enquanto conduzia lenta atrás de um e outro reboque das vindimas. As memórias também foram até às Fernão Pires compradas à senhora do mercado municipal.
Nesta manhã de domingo, comprei Fernão Pires no mercado quinzenal e nesta tarde, já observava curiosa as videiras, a maior parte vindimadas, quando fotografando uma nora em quintal alheio senti um cheiro intenso às horas passadas debaixo de uma latada de um tio vila verdense. Olhei para cima e descobri-a carregada de pequenos cachos de uva americana. A certeza veio de um bago roubado e a certeza absoluta de um cacho cheirado e de degustados mais uns preciosos bagos. Não vi mal em guardar aquele cacho para viajar no tempo depois deste passeio. E não vi mal em tirar outro para levar o meu pai nessa viagem. Enquanto os guardava na mochila, ligou-me ele a sugerir que ligasse a televisão para ver Vila Verde. Aaah pai se tu soubesses o que me contive para não te contar como é que eu já lá estava...
Houve também muitas amoras que desta vez foram a personagem secundária deste imaginário que me habita a casa das saudades.

Estou convencida que se contasse sobre estas saudades que tinha das uvas americanas, de como o cheiro e sabor me transportam no tempo, de como pareço ter 11 anos e observo o alpendre da casa do meu tio durante horas a fio decorando-lhe os detalhes, enquanto os adultos falavam de coisas que eu não percebia. Se eu contasse de como me sabia bem uns bagos daquelas uvas pequeninas à sombra aromatizada da latada, ninguém devia levar a mal os cachos que depois ainda trouxe das videiras aparentemente abandonadas.

Um trilho feito a passo dos sentidos despertos pelo bem que me faz este contacto com o verde, tão perto como um abraço esquecido dos xilemas e floemas e apenas sintonizado no pulsar desta força da natureza e desta força das memórias boas que se revivem e reescreverem desejando que nunca sejam escassas.