sábado, 20 de junho de 2015



sábado de manhã...


Sábado de manhã começou com aquele ritual de nervoso miudinho de quem se prepara para mais uma corrida, ou melhor, mais um trail. Um dos poucos que desejava voltar a fazer este ano, o Louzantrail. Fui mais a amiga que desafiei, a SV. A girls day nas andanças das serras. A motivação era sobretudo baseada no quanto me diverti e gostei do trail no passado ano. A novidade era fazer mais uns km. Depois dos 17km agora seriam 25km. Mais quilometros mais vistas fantásticas. Chegamos a tempo de ver os loucos dos 45km a partir. Dali a uma hora seriamos nós. Às tantas já estávamos no controlo zero e a aproximarmo-nos da linha de partida. O sol já aquecia. Foi bom voltar a passar pelo reboliço daquele jardim onde se concentram os atletas à espera da sua vez. A conversa, as risadas de fundo, as fotos da praxe. Tudo com a serra ali ao lado à nossa espera. Não tardou a ser dado o sinal de partida e eu a sentir-me em casa. Entre o que já não me lembrava, haviam muitas memórias claras de determinadas passagens. Sinto-me francamente bem ali. Não terá sido isso que me fez sair a um ritmo mais lento, mas a verdade é que em comparação com a minha amiga que estava com a genica toda, eu parecia estar muito em baixo de forma. A semana que antecedeu não foi a mais favorável. Noites mal dormidas naquela que foi porventura a semana do ano em que adoeci. Diz a minha avó que as gripes de verão custam mais a passar, e é certo que não me lembro delas no inverno. Apesar dos trilhos serem daqueles que me conquistam, a boca aberta em que segui foi mais devido ao nariz que insistia em entupir apesar de eu ir de lencinho na mão para repor alguma normalidade. O percurso sofreu grandes alterações pelo que revivi as memórias mas numa sequência desordenada em relação àquela que tinha retido. Desta vez o monólogo interior foi repartido com conversa com a SV. Aproveitar para colocar alguns assuntos em dia, mas não durante as subidas intermináveis, protegidas pela densa vegetação, em que nunca senti vontade em olhar para baixo e de cada vez que olhava para cima, só via mais subida. Depois de uma noite em que também tive caibras nas pernas, os respectivos músculos começaram a doer durante uma das primeiras e mais exigentes subidas. Eu já disse que não olhava para trás mas vi a vida a andar para trás com dores musculares e um dedo do pé a torcer-se sozinho, coisa que nunca me acontece em prova. Na sequencia de ter verbalizado o que me estava a acontecer recebi de outra atleta uma pastilha efervescente de electrólitos na tentativa de me  ajudar. Como entretanto já tinha bebido a água toda a fazer conta com um abastecimento que se aproximava de forma lenta, recorri ao método de pastilha debaixo da língua e lá me fui entretendo com aquilo a fervilhar na boca, ao mesmo tempo que continuava a caminhar por ali acima. Passar no meio das aldeias de xisto do Candal, Catarredor, Vaqueirinho, Talasnal, Casal Novo, suspirar a imaginar passar por ali uma temporada a descansar do reboliço dos dias. Parar nos abastecimentos para repor calorias e hidratar bastante que o calor quebrava o corpo. Os banquetes que nos esperavam faziam-nos demorar por ali no emaranhado dos restantes atletas. Olhares cansados, olhares energéticos e sobretudo olhares cúmplices, como aquele que encontrei num atleta de resolveu sentar-se junto a um pequeno ribeiro ligeiramente desviado do caminho principal. Ali se sentou a descansar e mais provavelmente a desfrutar. Eu e a minha amiga bem como outros atletas precipitamo-nos todos para o minúsculo espaço e cada um como pode lançou as mãos à água e refrescou-se. Eu ignorei deliberadamente a minha gripe e lancei água sobre mim inclusive na cabeça que estava mesmo a precisar.   Seguimos pela vegetação diversa… gosto tanto de passar assim por entre as flores em forma de cachinhos de sinos típicas do meu imaginário da floresta mágica.  E duendes, de certeza que os há por ali!!
Olhar bem para o chão, todo o cuidado é pouco para não entropeçar nalguma pedra ou tronco de ramo no meio dos caminhos. A SV estava com queda para a coisa e eu com pouca vontade de me esbardalhar, que os estragos são sempre carimbos para a vida.
No final serpentear novamente no ribeiro, onde quase tudo começou. Desta vez sem a urgência da fila de atletas que nos pressionam a atravessar o mais depressa possível, fazendo equilibrismo sobre as pedras que ainda era cedo para molhar os pés, no final é equilibrar sobre as pedras do fundo, molhar-nos tanto quanto possível, agachar-nos como quem toma banho num alguidar (como expliquei à minha avó) e molhar-nos até à alma. Queimar os últimos cartuchos de uma aventura que se aproxima do fim. 

Ai a minha vida podia ser aquilo. A minha única urgência é demorar o suficiente para deixar que tudo se entranhe em mim de tal forma que tão depressa eu não me esqueça do quanto fui e sei ser feliz!

Foram 5h30 nesta vida ao longo de 26km (onde houve quilómetros a demorarem 20 minutos)  e na companhia de uma amiga (incansável) a viver tudo ali pela primeira vez.

Depois da meta e do banho fomos para a fila das massagens. Uma espécie de SPA no jardim onde relaxamos ao mesmo tempo que víamos outros a chegar à meta, os dos 53km… estes são os contrastes que não fazem mossa. Enquanto isso, nós que já andávamos na boa vida, desencaminhávamos os amigos na terra para um final de tarde de caracóis e uma noite de gelados a partilhar histórias.

Depois de tantos anos a sair de casa para correr sozinha uma das melhores coisas que os grupos de corrida me trouxeram foi a diversidade de pessoas que tenho o prazer de conhecer e que me fazem crescer nesta coisa das relações humanas. A SV é a conhecida que passou a amiga e é tão bom encontrar amigos.

A paisagem compensa ao longo de todo o percurso o sofrimento em que muitas vezes o corpo entra, mas não houve subida, gripe, cãimbra ou queda que nos tenha tirado o entusiasmo de regressar…



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