Maratona do Porto, a aventura da primeira maratona...
Assisti a algumas na televisão, confortavelmente sentada,
mas desta, foi a minha vez de calçar os ténis e sair de casa para correr uma
maratona, a Maratona do Porto.
Algures no início do ano ouvi os SNR falarem desta maratona e senti
vontade de arriscar. A primeira motivação foi por ser no Porto, esta minha
genética “scalabinhota” é de corpo e alma e fazia todo o sentido estrear-me
numa maratona no norte, mais do que em qualquer outra parte do mundo.
Depois também gostei da data de realização da prova,
prometia-me tempo moderado a fresco e isso seria ingrediente essencial para correr
com satisfação, (é para qualquer que seja a distância).
Houve ainda mais argumentos pessoais que me motivaram e
reforçaram o desejo de participar. Estavam as minhas ideias em banho-maria, de
lume muito brando, quando do nada, a V.F., me lança o desafio “Ana não te queres inscrever na maratona do
Porto… para irmos as duas?”, “Quero”
pensei eu, mas “Aaah, não sei…” foi o
que respondi. Durante duas ou três semanas insistiu e eu continuei “Aaah, não sei… mas tu achas?”. Na
verdade eu queria, mas tinha dúvidas se seria capaz. Em 97 convidei umas amigas
para correr junto à escola G. M. na tentativa de encontrar alguém que gostasse
de correr para me fazer companhia, já que tinha vergonha de andar de fato de
treino na rua. Desse grupo, 3 eram mais rápidas mas depressa se sentaram à
espera que eu e outra parássemos de andar ali às voltas. Por fim concluí que eu
não tinha velocidade mas tinha resistência. E depois deste episódio foi sempre
o que tive e tenho em mente de cada vez que saio para correr. Por desconfiar que
seria capaz de resistir a 42km, um dia informei a V.F. que já tinha a inscrição
feita. Confesso que na mesma manhã em que o B. publicou no FB a primeira lista
de inscritos para a prova sublinhando a minha inscrição, estava a equacionar desistir
para trocar pelo trail da Serra de Arga, mas os comentários de incentivo
fizeram-me retroceder e no inicio de Julho iniciaram-se os treinos.
A palavra
“treino” com o respectivo significado desportivo estava banida do meu
vocabulário e teve os seus dias de glória nestes últimos tempos. Se estava
longe da meta, mais longe estava de pensar em tudo o que se passou ao longo
destes meses. Foi escolhido um plano de treinos e posto em prática (com os
respectivos ajustes). A nós juntou-se também o Gentleman D.S.. Entre os três, foram
sempre pacíficas, quer as combinações, quer as alterações de última hora. Cada
cabeça sua sentença, mas foi sempre com desportivismo que acabámos por ceder para
que todos ficassem bem e os nossos objectivos cumpridos. Podem não ter sido
treinos técnicos e específicos mas a verdade é que estávamos todos sintonizados
na vontade de concluir uma maratona e de o fazermos com uma postura responsável
e ao mesmo tempo descontraída. Havia que cumprir o básico para preparar o
corpo, colocar km nas pernas, fazer séries, rampas e escadas para complementar.
Para a semana ficou o sortido e para o fim-de-semana o treino longo. Aos nossos
treinos juntaram-se muitos outros amigos das corridas, que fizeram com que estes
dias não se tornassem monótonos e chatos. Para mim foi tudo um desafio, a
começar nas séries, das quais não aprendi a gostar, cansam-me muito e fico com
vontade de ir correr depois, só para descontrair do stress que me causam! Já
umas rampas, são capazes de me fazerem sair de casa com mais vontade e quanto
às escadas o sentimento é uma coisa que se fica pelo “gosto assim-assim”.
Depois de experimentar tudo isto e dos primeiros treinos longos (progressivos
até aos primeiros 21/22km de estrada), fui assaltada pelas dores. Dores nos pés, nas pernas, nos
músculos, nos tendões, eu sei lá, uma catadupa de me dar dores de cabeça,
simbolicamente falando (felizmente). Foi assim que passei a ter uns bibelots novos cá em casa, foram eles,
uma ligadura elástica, uma embalagem de pomada anti-inflamatória, uma bolsa de
gel frio e celofane, o típico kit de emergência de prevenir lesões. Às vezes tinha
dores novas de dois em dois dias e queixava-me sempre “Ai, doí-me aqui e acolá
e …” outras vezes não me doía nada, como depois do primeiro treino longo de
30km. Tive muitas vezes as minhas “dores do costume” mas no dia da prova nem
sombra das mesmas :). Quanto a comprimidos só tomei 6 anti-inflamatórios, 3 para tirar dores
de um torcicolo que fiz ao lavar os dentes (numa manhã antes de sair de casa para
um treino) e 3 na semana antes da prova, para tentar tirar uma dor insistente
na sola dos pés. O fast-recovery no final dos treinos longos
ajudou a contrariar a fraqueza provocada pelos mesmos.
Foi nos treinos
longos que concentrei mais as minhas expectativas e confiança para a minha
prestação na maratona. O meu agradecimento ao R.S. (esteve no primeiro c/ o D.S 18km),
à P. (por todos os que fez connosco e pelo de 26km só comigo) ao D.S (por todos em que esteve presente, e em
particular pelos de 33km e 31km que fez só comigo), um agradecimento especial (com muitos km) à V.F (por
todos, a maioria, que fizemos juntas) e a todos os SNR que numa ou outra ocasião
também estiveram presentes sem esquecer o centro de estágio da tapada, e os maratonistas experientes com os seus concelhos e incentivos. Basicamente
foram 4 meses a correr atrás da V.F. que aquela mulher é nonstop, às vezes,
quando eu ia mais em esforço só pensava que no dia 2 de Novembro não teria de
correr mais atrás dela :P.
Entretanto constatei que o meu principal progresso
não se dava nas pernas mas nos pulmões, pois dei por mim a correr e a conversar
desalmadamente. Finalmente conseguia fazer as duas coisas ao mesmo tempo, o que
me tornou uma corredora muito mais sociável, com a devida excepção para subidas
e rectas da meta. Somei uns mui
modestos 1340km (aprox.) em quatro meses de treino.
Finalmente chegou a véspera do dia da corrida e em boa
companhia e disposição seguimos para o Porto. Na viagem senti que ia para o
verdadeiro desconhecido e a ignorância permitiu-me assim um estado de
tranquilidade um pouco estranha. Depois do check-in no hotel e de colocar logo
algumas coisas a jeito para a manhã seguinte ainda ingeri mais uns hidratos de
carbono para as reservas energéticas. Aliás, há dias que vinha a ingerir bananas
e batata-doce em doses extra. À noite fomos até ao mercado da ribeira para
jantar e nos juntarmos aos restantes elementos da equipa e enquanto uns se
empanturravam nas massas, eu àquela hora eu já não consegui meter nada no
estomago. À noite adormeci à conversa com a minha colega de quarto a A.D., que não
sendo da minha equipa, também ia fazer a sua 2ª maratona e tinha grande
expectactivas em relação ao tempo de prova. Já a mim, o que me preocupava mais era
o tempo climatérico, o ideal seria sem chuva e sem calor. Ela colocou o relógio
a despertar um pouco mais cedo do que era necessário e aproveitando
despachei-me e desci para tomar o pequeno-almoço que eu própria levei, pois
queria a segurança psicológica que me dava comer o que estava habituada. E não
fomos as primeiras a chegar. A sala de refeições estava cheia de outros atletas
já semi-equipados que enchiam o tabuleiro de mais alimentos energéticos. Com um
ou outro cruzei aquele olhar de cumplicidade com um sorriso à mistura de “ai,
ai, o que nos espera…”. Subimos e lamentei não ter levado um livrito para
justificar o tempo que passei na casa de banho à espera…. Convém uma pessoa
sair de casa já despachada de tudo. Antes de descermos à hora combinada, houve
aquele momento de frio na barriga e de revisão. Tinha o corpo, a roupa, os ténis, o dorsal, o cinto com os boiões de isotónico e o mp3 com a única
música que iria a tocar em modo repeat (60 vezes).
Durante os treinos as músicas tinham sido outras, umas que me mantinham com
estado de espírito desperto. Para a maratona decidi-me por uma que já tinha
levado para uma prova onde tinha feito um bom tempo, e como se diz “em equipa
que ganha não se mexe” e a escolha recaiu na “Morena” do Tiago Bettencourt e se
a morena não corre para ele quando a chama, é porque ele não está a chamar pela
morena certa, pois eu cá farto-me de correr e se ele me aparecesse à frente era
morena para parar, logo agora que tenho este bronze de um verão a correr de calções ;p. À porta do hotel estava um taxi para levar 8 bem-dispostos
para a prova e foi a “estontejar” que fomos sempre na risota. Chegados ao local
de partida e de mais uma visita à casa de banho de um tasco, tirámos as fotos de grupo da praxe com os que estavam presentes. Além dos 16 que iam à maratona
haviam outros que iam fazer os 17km da family race. A armada de SNR no Porto
era grande mas naquela manhã estavam dispersos por ali, até porque íamos partir
de grelhas diferentes consoante os tempos que esperávamos fazer. Ainda fomos
uma ultima vez para a fila da casa de banho de uma estação de serviço, onde eu e
muitos dos presentes nos podemos rir com os disparates que a V.F. dizia em forma de
enxurrada, os nervos devem lhe dar para aquilo e nós agradecemos!! Depois do
último xixizinho eu, a V.F. e o D.S. posicionamo-nos atrás do pacemaker dos
balões das 3:45. Ali encostadinhos uns aos outros para contrariar o frio que se
fazia sentir (eu de manga cava, calções e cabelos ao vento) dei por mim a
observar os atletas à nossa volta, como um casal de franceses na casa dos 60
anos :) e outros que olhavam sorridentes e até a piscar o olho como quem nos
deseja boa sorte. Às tantas ligo o mp3 e a V.F. cumprimenta-me a mim e ao D.S.
e desejando-nos boa sorte. Naquele momento, como agora, senti as lagrimas a
correrem. Senti a pressão de todos os dias que treinei para estar ali, a satisfação
de estar com dois amigos que me tinham acompanhado e incentivado e com os quais
passei muito tempo. A pressão que aquele momento era o princípio do fim
daqueles 4 meses e que a partir dali estava por minha conta e risco. Começaria
a correr e só dali a 42,195km, em aproximadamente 4 horas é que pararia. Dos mais
experientes ouvi que o momento mais emocionante era a chegada mas tinha
dificuldade em imaginar algo mais emocionante do que a partida. E foi com
lágrimas a serem contidas e um nó na garganta que dei os primeiros passinhos de
bebé após o sinal de partida, olhando para os meus amigos e desejando-nos o
melhor.
Depois de uma ligeira descida viria a primeira subida e era um mar de
corredores para a frente e a para trás. “que loucos somos” pensei. Tinha um
apetrecho extra, um relógio emprestado por uma amiga das corridas (S.V.) que me
mostrava a velocidade instantânea. Foi a primeira fez que usei relógio e reconheço
que para uma prova daquela distância ajuda bastante na gestão do tempo/esforço tornando-a muito
mais consciente. Desta forma controlei a velocidade junto dos meus amigos não
nos deixando disparar atrás daquela enxurrada e esgotando as nossas energia de
forma prematura. Ainda assim corríamos acima do esperado porque nos estávamos a
sentir todos bem. Ao km 10 o D.S. despediu-se de mim e da V.F. com um aperto de
mão e continuou num passo mais alargado. Entretanto nós mantivemos o ritmo e
não nos faltava companhia pois eram muitos os atletas em prova e de diferentes
nacionalidades, algumas vezes senti que tanta gente atrapalhava um pouco o
andamento, pois tínhamos de procurar espacinhos para puder ultrapassar. A
caminho de Matozinhos num dos retornos, eu que acho que ficar a ver quem passa
me faz distrair e abrandar, desta vez qual quê, com a V.F. ao comando e a
vontade de ver caras conhecidas tive que compatibilizar as coisas e dar ao
chinelo. Foi com grande satisfação que quer eu, quer ela procuramos sempre ver
um dos nossos para dar uma força. De certa forma também nos ajudava a nós.
Digam lá que não nos viram quase sempre bem-dispostas. Cheguei a comentar com a
V.F. que quem fosse atrás de nós devia pensar que fomos para ali só para dizer
adeus, tantos eram os SNR´s em prova. Até dançamos o vira e tudo (olha V.F. se
isto não era para contar… já fostes).
O último que procurávamos era o nosso D.S. e certificarmo-nos que ele ia a todo
o gás. A verdade é que iam sempre todos com uma carita de sofrimento empenhados
em despachar aquilo o mais depressa possível. Recordo-me de entrar na foz do
Douro e aquela paisagem de praia, mar e ondas merecer mais um jogging para a
apreciar do que o ritmo a que seguíamos, contudo havia que continuar. Nos abastecimentos
de 5 em 5km nunca parámos, a V.F. ia buscar 2 garrafas de água, uma para ela,
outra para mim e entre as duas lá nos ajudávamos para beber e reabastecer com
os nossos isotónicos. Percorrendo as margens do rio Douro comecei a sentir
alguma quebra psicológica pois nunca mais avistava a ponte D. Luís I que
havíamos de atravessar. Quando finalmente a avistei, não tardaria a fazer
aquela dolorosa subida da zona ribeirinha que a antecede. A mais de meio da
ponte, senti-me um pouco estranha e disse “Ai V. que não me estou a sentir
bem…” e à pergunta do que estava a sentir, respondi que sentia como se o corpo
tivesse a levitar e que me estava a passar uma coisa pela vista, seria a ponte a mexer, a dita "parede" ou o homem da marreta?! Temi os dois ultimos mas a V.F. mandou-me
fixar o chão e assim que saímos da ponte aquilo passou-me. Essa parte do
percurso também era um retorno e seguíamos no mesmo jogo de tentar ver os
outros SNR e dar-lhe uma força. Depois do nosso próprio retorno a V.F. arranjou
outra motivação para nos distrairmos e colocar as minhas perninhas, que estavam
a ficar preguiçosas, a mexer. Veio o momento cerelac, “papar” o da t-shirt cor
de… , a da saia não-se-o-quê, o Tom Sawyer e por aí a fora, enfim tentar “papar” atletas o máximo possível, para subir lugares
e ter incentivo para andar mais depressa, ora agora escolhes tu, ora agora
escolho eu, e na aproximação, …3, 2, 1 GLUP já está, NEEEXT!! Quase que parei com
vontade de rir!! Com isto, não só ultrapassamos os alvos, como muitos outros ao
longo destes últimos km, os mesmos em que eu ia a sofrer, pois não conseguia
que as pernas andassem mais depressa. Quando forçava doíam-me de tal maneira
que temia ter de parar de repente. Mas a V.F. lá seguia “Bora Ana…” “Esquece as
dores…” “Bora Ana…” “não te dói nada…”…parecia um disco riscado… disse-lhe que
seguisse mais depressa e ela: “olha, chama-me nomes mas… MEXE AS PERNAS…” Não
tive vontade de lhe bater, nem a mandei à m£&%$@ em pensamento como sugeriu,
mas só porque estava fazer contas de cabeça :), a suportar as dores :( e
a ver os minutos a passar no relógio :o… e continuávamos a ultrapassar atletas, uns
a correr, outros já a caminhar. Faltavam 2km tive um pico de energia que foi
sol de pouca dura e quando devia faltar 1km encontro na rotunda o meu amigo das
viagens, o R., que não só me incentivou como me acompanhou durante uns metros (tinha feito a family race 17km).
Nem dei pelo início da última subida, foi muito boa surpresa apesar de eu não
ter falado muito (logo agora que eu já sei fazer as duas coisas ao mesmo
tempo). Aquela subida
parecia que nunca mais acabava. Perguntei (à do costume) se o final era no
pórtico laranja ao que ela respondeu que sim, mas era mentira, aquilo afinal era
uma passagem para outra dimensão a dos 0,195 km. A partir dali não vi nada, apenas ouvi,
gritos de incentivo, palmas, pessoas a bater nas baias e depois de atravessarmos, finalmente,
a meta ao mesmo tempo foi o silêncio, a dor e a satisfação de ver no cronómetro
que tínhamos alcançado aquilo que desejávamos fazer, chegar antes das 4 horas e
com um sorriso na cara.
Missão cumprida e comprida. Cheguei empenada à meta mas com
energia para ainda cumprimentar os amigos que nos esperavam e que nos levariam
para o nosso hotel, onde tomaríamos o desejado banhinho revigorante, ligar ao
pai, à avó e a mais alguém a contar que já estava feita. Depois aconteceu tudo de forma rápida e não tardaria a
juntar-me aos restantes SNR para um convívio na Mealhada. Às 21h entrava
novamente em casa e aí sim voltei a ter a real noção do que conseguimos… 3h56
Conseguimos Vanda Fernandes!!!
Conseguimos acabar e chegar antes das 3h59. A V.F. se me tivesse
deixado para trás teria feito um melhor tempo e eu um pior, assim ficámos ali
no meio-termo. Consegui o mais importante, esta experiencia na prova a duas. Foi
formidável quer pela gestão de esforço físico quer pelo companheirismo que vou
recordar sempre com um sorriso, porque me correu bem desde o dia em que me
inscrevi! Sorrir do início ao fim da prova, ter mais vontade de chorar no início
e ao recordar o mesmo, como o ponto alto destes 4 meses, talvez por ser o
derradeiro princípio do fim desta jornada sobre a qual pairava a grande
incógnita da concretização. Pensar que na meta não contaria com aquela cara que
vibraria de coração com a minha chegada mas saber que estaria a olhar por mim e
a ver-me fazer o melhor que sei. Só pedi que me acompanhasse. E porque a história se repete, estivemos as duas acompanhadas da mesma forma. Fazer uma coisa
com a qual nem sequer sonhava, e afirmar que o faço na “desportiva”. 42,195km
na “desportiva”… se é na desportiva será que não me chega a voltinha e 7/8 km
que fiz durante muitos anos?! Claro que chega, para a cabeça é o melhor
remédio, enquanto vou e venho o mundo descomplica-se, é por isso que agora
depois de acabar de escrever este texto gostava de ir ali “deixar cair o pé” que
é no fundo o meu maior objectivo, a primeira corrida a partir de casa depois da
maratona, mas não posso. Um dia depois da prova estava optima, dois dias depois
caiu sobre mim aquilo a que clinicamente o médico chamou de overuse, neste caso, da sola dos pés.
Doem-me em particular a do pé esquerdo. Agora há que descansar mais uns dias e
retomar recuperada para voltar a uma das coisas que mais gosto de fazer.
Obrigada Vanda FERNANDES por tudo! ;)
Geral: 2275º de 4042
Escalão: 32
Fem: