Trilhos do Paleozóico (16.03.2014)
23km (+ uns qtos metros)
4h07min
418ª de 672 atletas
37ª de 98 mulheres (no escalão)
O desafio de ir ao trail dos
Trilhos do Paleozoico veio do R.. Hesitei, por isto, por aquilo, por
aquel`outro… Depois tentei a inscrição, correu bem e já não dava para olhar
para trás.
Com a decisão e a inscrição feita
ficou aquela ideia romântica de que ia para me divertir, saltando montanha adiante,
de rocha em rocha como se de nenúfares se tratassem… Umas horas depois daquele delírio
dá-se o “volt-fast” e repensei: “Para saltitar com tamanha leveza talvez fosse
melhor preparar o corpitcho. Empreendi
num regime de treino e alimentar para dar corpo à causa. Para tal comecei com a
selecção musical escolhendo muito top 10 das disco para me acompanhar nos
treinos pois precisava de razões para levantar os pés do chão para além do
normal, contrariar as condições climatéricas cinzentonhas, vicissitudes do estado
do espirito e outras obrigações. Fazer de algum recuo, uma rampa de lançamento
e projectar-me com os meus objetivos, tudo ao molho e fé em Deus e esperar que
a memória que Ele me deu não deixasse que ficasse nada para trás (isto durante
14 dias). Corrida e bicicleta ajudaram a somar quilómetros às pernas (dizem os
entendidos que faz bem), com direito a um treino de séries e tudo (haja coragem
para fazer aquilo). Entretanto começou-se a instalar um nervoso miudinho, lia
que era classificado como um trail muito difícil, ouvia que era um dos mais
dificeis do circuito, via fotografias das serras (Santa Justa e Pias), via o gráfico de altimetria (pela primeira vez olhei com olhos de interpretar um gráfico destes),
vi o desnível (1250m), passaram de 21 para 23km… enfim só coisas para deixar
uma pessoa a perguntar-se “mas onde é que eu me fui meter?!”
Para Valongo segui à boleia com
outras duas raparigas a R. e a P.… já lá vai o tempo em que as mulheres
aproveitavam o fim-de-semana para limpar o pó dos móveis (é por estas e por
outras que a moda os móveis claros ou brancos deve ter proliferado!). Elas são
as “pró” deste dia… e todo o caminho (ida e volta) houve boa disposição.
Chegando lá ficámos em alojamentos diferentes, sendo que eu pernoitei no Romano
Hostel, onde me arranjaram um quarto só para mim com wc, tudo muito catita.
Aconselho vivamente é um espaço muito bonito e muito bem localizado, estava a
poucos metros da praça centenária de Valongo onde foi a partida/chegada e toda
a festa associada ao evento. Tratamos logo de levantar os nossos dorsais, que
para além da t-shirt oferecia uma garrafinha de vinho verde… (tentador para um
apreciadora de verde com eu!!) Assim que entrei nessa praça reparei logo que
era inclinada… e pensei “mau, mau maria que começa logo aqui a subir!!” entretanto
apercebemo-nos que não davam alfinetes de dama para prender os dorsais e uma vez que nenhuma de nós estava prevenida (parece coisa de maçaricas!!), vai
daí rumamos a uma grande superfície para os comprar.
Na manhã seguinte, madruguei para o ritual que é vestir e apetrecharmo-nos de toda aquela artilharia que se quer leve. Antes da partida, com a ansiedade da espera, estava a ficar mal disposta inclusive com vontade vomitar… Depois do
sinal encaminhamo-nos logo a boa velocidade para longe da civilização rumo aos trilhos
que contam pré-histórias. É assim que
começa a primeira grande subida e cheguei ao primeiro pico à beira de um
chelique. Pouco depois, o sorriso que esbocei por ver que era a descer
passou-me, pois descobri que o meu cérebro bloqueia com medo de algumas
descidas tornando-me pouco desenvolta na arte. Entre as infinitas subidas e
descidas houve poucos planos horizontais mas sempre que os apanhei aproveitei
para correr. Muitas vezes nas subidas virei as costas à terra e a pedra para
apreciar a paisagem. Houve momentos em que depois de levantar os olhos dei por
mim a rir com direito a manifesto som. Houve trilhos muito diferentes durante
todo o trajecto, nada se repetiu. Linhas de água a percorrer e ir refrescando
os pés, lama, escalar rochas com a ajuda das mãos, passagens junto ao rio que
corria com uma força imensa denunciada pelo som das águas a passarem por pequenas
quedas de água, a piscina da pedreira de um azul hipnótico (isto ao alcance dos
olhos de um corpo cansado e cheio de calor, pois o sol levantou-se cedo e
quente, eram visões de me tentar a ficar por ali) e muitas outras paisagens com
as características geológicas e de flora diversas. Mais uma fez e
lamentavelmente sem registo fotográfico, fica somente a memória das paisagens
que jamais pensei que um dia iria atravessar. Aliás, aquilo que nos move ali faz-nos
atravessar o impensável. Em condições normais acharia que só um maluco é que se
atreveria a passar por aqueles montes… e oh p’ra mim… grande maluca!!. Por
volta do quilometro 12 mandei a bela da queda, onde diz a lenda que nascerá uma
bela figueira… bela e grande digo eu!. Foi uma coisa mesmo à bruta em chão duro
e com pedras, fiquei deitada uns segundos sem me mexer com medo do estrago que
tinha feito, depois voltei-me e uns moços ajudaram-me a levantar e a perceber
se estava tudo bem. Aparentemente sim, apesar de ter um buraco nas calças na
zona do joelho que me deixava ver uma mancha vermelha de sangue e a acreditar
que dali podiam sair “as minhas tripas” mas resolvi não fazer fitas nem dar uma
de mariquinhas, e vendo que a perna mexia sem dor continuei. Pouco metros à
frente foi o primeiro abastecimento de sólidos, onde me detive em frente ao
tabuleiro das laranjas, entremeando com o da marmelada, até que R. foi lá
envergonhar-me dizendo que eu estava a comer mais naquele momento do que do que
em uma semana de férias em Istambul e lá segui caminho. Pois convém registar
que, o rapaz que me desafiou a participar neste trail, fez uma entorse uma
semana antes e não tendo recuperado a tempo resolveu ir de bicicleta por
estrada até alguns pontos dar uma força aos amigos, onde me encontrei incluída…
foi giro receber assim uma motivação personalizada no meio daquela aventura
onde estava on my own. Um quilómetro depois
desse abastecimento, começo a sentir um ardor no cotovelo, não liguei pensei
que talvez tivesse roçado nalgum arbusto que provocasse aquela reação mas como
a sensação persistiu lá olhei e dei-me conta do estrago em mazelas e arranhões
motivado pela anterior queda! Continuei no sobe e desce, qual mulher aranha dos
tempos modernos ou mulher das cavernas que me está na ascendência… uga uga. Desde
o início que se fazia sentir calor e salvou-me o camelbak que me emprestaram. Sempre que iniciava uma subida e por vezes durante a mesma, ia molhando
a boca na mistura de bebida isotónica para me dar algum alento e resultou,
inclusive, sem ter grande noção consegui dosear muito bem essa ingestão e cheguei
ao fim ainda com um resto de líquido, mas foi sem dúvida algo que garantiu o meu
ânimo ao longo de todo o percurso, pois nunca sofri com sede. Além disso também
fiquei satisfeita com o facto de nunca ter sentido caibras e para isso devo ter
contribuído quer com o treino, quer com alguns cuidados na alimentação nos dias
que se antecederam, digo eu, que não percebo nada disto! A ultima grande
subida, foi bastante dura e para mim tinha mais a classificação de escalada,
ali como noutros sítios o melhor era nem olhar para cima nem para baixo para o cérebro
não bloquear de medo. Na última grande descida, tentei ir sempre a correr ou a
saltitar, até parecia que tinha levado umas pilhas novas. Ainda tive um deslise
sobre uma pedra que me valeu um momento lúdico de escorrega, temi pelo cóccix,
mas tive uma sorte daquelas que até fico parva de pensar… entretanto já me
apetecia ir à água refrescar as pernas e pouco antes do final o sonho tornou-se
realidade e esperava por nós uma passagem debaixo de uma ponte com direito a água
fria na totalidade das pernas. Até à meta pareceu uma eternidade a partir do
momento que reentramos na civilização. Na entrada da praça centenária foi
simpático ter pessoas ainda a incentivarem-nos para mais aqueles metros até à
desejada meta (e aos tabuleiros de laranja e marmelada). Adorei tudo e
diverti-me. As dores associadas às escoriações da queda e a dor de um
torcicolo, não são agradáveis mas não me tiraram a vontade rir e brincar com a
situação e ainda bem.
No final, fez e faz mais sentido
o momento em que de manhã, antes de sair para o trail fui ver se tinha o
telemóvel bloqueado dentro do camelbak e verifiquei que não, estando aberta uma
das antigas mensagens que permanecem guardadas da minha mãe… dizia:
“Está tudo bem”