quarta-feira, 27 de junho de 2007

Por saber que nunca me esqueço, engulo a seco cada letra, e uma a uma desembocam contra as densas paredes que me revestem devolvendo num eco ininterrupto essa frase que escutei. Somente escutei, na certeza porém de a mim ser dirigida. De lá para cá “olha… não te esqueças de mim”, de cá não sai “olha… não te esqueças de mim… não te esqueças de mimnão te esqueças de mim…” Por saber que nunca me esqueço, não posso dizer que não percebo. Reconheço-o e a experiência alerta que reconhecer é a consciência que existe a possibilidade de abrir uma outra porta. Abrir ou não? Sabê-la e deixá-la fechada. Sim, às vezes, talvez mais do que “às vezes” possa transparecer. Abrir ou não? Sim. Não só saber que não me esqueço, mas demonstrar que me recordo é uma porta a abrir.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Vida: Olá

Eu: han?!…desculpa não te vi chegar!

Vida: Surpreendes-te como se eu não estivesse sempre presente?!

Eu: Esqueço-me de que não dormes!

Vida: A mim, também me agrada a madrugada…

Eu: …mas felizmente não tens sono

Vida: Que procuravas atrás de ti?

Eu: Certificar-me do que fica para trás.

Vida: Explica-me?

Eu: Nunca antes tinha tido uma percepção tão forte da presença das minhas costas. Nem nos momentos em que deixei, irremediavelmente, algo para trás. Entre consequências de opções e imposições, nunca antes o gesto de virar as costas foi tão sentido. É como se de repente elas ficassem muito maiores e sobre elas pesassem o meu próprio corpo. Como se caminhasse sobre elas, em vez pisar as pedras da calçada. Mesmo acreditando que o que fica para trás, ser-me-á devolvido por ti mais adiante…

Vida: Se te devolvo qual é o problema?

Eu: eu disse que acreditava, não disse que tinha a certeza que me devolverias…

Vida: Não chega acreditar?

Eu: Acreditar…é a minha vontade. A vontade de que esse peso que carrego, no revirar das costas, me seja devolvido aos braços…

Vida: E abraças?

Eu: Até agora, sim.

domingo, 17 de junho de 2007




Conto novas, conto velhas, conto-te um tudo e um nada de mim. Vou no tempo de um olhar que me promete que outros dias virão. E eles vêm, sempre novos, por vezes cheirando a velhos, a deja-vú enfastiado de sucessivas repetições. Os sorrisos são retalhos coloridos que por vezes colo, por vezes coso com a agulha e dedal. Sou uma manta de retalhos que enrolo a mim mesma. Conto novas, conto velhas, conto-te um tudo e um nada de mim. Estendo-me à vida levada na corrente de ar que me bafeja de feição. Mergulho leve nas águas frias e afundo-me pesada em lágrimas detidas. Conto novas, conto velhas, conto-te, de mim, o pouco que sei…

terça-feira, 5 de junho de 2007

Outros Sonhos (Chico Buarque e versos anônimos de uma antiga música chilena) aqui

Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
Sonhei que ela corava
Quando me via
Sonhei que ao meio-dia
Havia intenso luar
E o povo se embevecia
Se empetecava João
Se impiriquitava Maria
Doentes do coração
Dançavam na enfermaria
E a beleza não fenecia

Belo e sereno era o som
Que lá no morro se ouvia
Eu sei que o sonho era bom
Porque ela sorria
Até quando chovia
Guris inertes no chão
Falavam de astronomia
E me jurava o diabo
Que Deus existia
De mão em mão o ladrão
Relógios distribuía
E a polícia já não batia
De noite raiava o sol
Que todo mundo aplaudia
Maconha só se comprava
Na tabacaria
Drogas na drogaria
Um passarinho espanhol
Cantava esta melodia
E com sotaque esta letra
De sua autoria
Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
E por sonhar o impossível, ai
Sonhei que tu me querias


Soñé que el fuego heló
Soñé que la nieve ardia
Y por soñar lo impossible, ay, ay
Soñe que tu me querias.